A utopia dos "times multitasks"
O grande sonho de muitos gestores é conseguir, de alguma forma, compor times onde todos sejam muito bons em tudo e capazes de fazer tudo ao mesmo tempo. Mas até que ponto isso é bom? Será que é realmente necessária essa prerrogativa? Haverá impactos na produtividade?
Já não é de hoje que nos deparamos com discussões a respeito do que entendemos como habilidades fundamentais para exercermos algum tipo de trabalho. Quando estendemos esse entendimento para o nível de times, automaticamente nos deparamos com alguns paradigmas, principalmente dentro do próprio conceito de equipe. Se tomarmos como referência um time de futebol, por exemplo, veremos que cada um exerce um papel específico em campo. Ninguém em campo é mais especialista em defender o gol do que o goleiro, concorda comigo? Ao mesmo tempo não podemos exigir de um zagueiro que ele faça mais gols que um atacante. Porém, graças às habilidades específicas de defesa de um goleiro e de fazer gols, que tem um atacante, as equipes chegam aos resultados. Cada um com sua especialidade e entendendo a importância do seu papel no resultado final (seja na vitória ou na derrota).
Há um tempo atrás falei sobre o filme "Onze Homens e Um Segredo", que nos traz um bom exemplo sobre como um time de verdade é montado, em um dos episódios do Mindset: Líder Podcast. Cada um faz muito bem algo específico e todos juntos chegam a um resultado. No entanto há quem defenda um outro conceito, entendendo que a multitarefa é o estado da arte para uma equipe de alto rendimento. Para fazer um paralelo (utilizando o mesmo time de futebol), imagine que o goleiro deste time precisa saber cobrar faltas, driblar, fazer jogadas na linha de fundo e atuar como zagueiro, porém não é "caso seja necessário" e sim "sendo sempre necessário". Pois bem, é isso que estão tentando vender como alto rendimento.
Em pesquisa realizada em 2018, o neurocientista Jean Philippe Lachaux publicou um estudo derrubando o mito da multitarefa e explicando os mecanismos cerebrais da atenção.
“Há duas maneiras de ser multitarefa. A primeira é executar duas ações simultaneamente, sendo que uma delas deve ser automática. Dirigir ouvindo rádio, por exemplo, ou andar de bicicleta e cantar. Agora, fazer duas coisas ao mesmo tempo que precisam de atenção, como verificar seus e-mails durante uma reunião, exige que você alterne rapidamente seu foco: ouvir o que a pessoa está dizendo e discretamente verificar suas mensagens ao mesmo tempo”
Essa alternância, diz o neurocientista francês, atrapalha a capacidade de concentração e de compreensão da mensagem que está sendo lida e respondida. Em um tempo onde manter o foco é uma arte, principalmente devido às distrações criadas com os avanços tecnológico, exigir alto rendimento em atividades completamente ambíguas é flertar diariamente com a baixa produtividade das pessoas.
O mesmo acontece com os muitos gestores, que são vistos muitas vezes como líderes de equipe, porém há uma enorme diferença entre os dois atributos. O que se exige de um gestor está no núcleo do trabalho de um time e sim no "edge"; governança (processos, riscos, custos, engajamento de partes interessadas, gestão de crises, estratégias de entregas), tudo isso toma tempo e esforço diário. Porém muitos são cobrados por conhecimento técnico avançado e aí está o grande erro: se focar em uma coisa, desfoca de outra que não pode ser desfocada. Maioria das pessoas com grande conhecimento técnico tendem a ter um perfil mais executor do que estratégico. Tentar resolver a qualquer custo, mesmo que por tentativa e erro, sem planejamento e sem uma avaliação criteriosa sobre o que se quer solucionar em cada problema.
Posso, inclusive, trazer um exemplo da minha área (desenvolvimento de software e inovação). Os bons desenvolvedores são aqueles focados em resolver os problemas, não da forma mais fácil, mas da maneira correta. Porém nem só de bons desenvolvedores vive a indústria de software e tem aqueles que não são tão criteriosos com aquilo que criam. Seria ingenuidade da minha parte exigir que todo o desenvolvedor fosse um ótimo testador e ao mesmo tempo um excelente UX Designer. Se até mesmo o plano espiritual foi dividindo entre Deus e o diabo por que eu forçaria um Dev a idear, prototipar, desenvolver e testar, "tudo ao mesmo tempo agora" e no estado da arte?
Ainda bem que a ciência está aí para corroborar com essas coisas que já defendemos há anos e a maioria parece não estar disposta a querer dar ouvidos. A ciência está dizendo que multitask é barca furada. E você, vai continuar no "negacionismo"?